E foi pela mão da bancada comunista que o assunto voltou ao centro do debate parlamentar, na passada semana, sob a forma de uma declaração política e da apreciação parlamentar ao diploma que transfere hospitais da esfera pública para as Misericórdias.
Na intervenção que preferiu em nome da sua bancada, não dando tréguas ao Governo, a deputada Paula Santos identificou inúmeras situações concretas que atestam de forma dramática os constrangimentos hoje sentidos pelos portugueses quando precisam de tratar da sua saúde.
Aprofundando linhas que já vinham de trás, em nome da «sustentabilidade do SNS» e da «discriminação positiva na saúde», o que este Governo tem vindo a levar a cabo é uma política de cortes orçamentais que na opinião do PCP está a «comprometer o direito à saúde consagrado na Constituição».
Paula Santos antevê que a situação venha a agravar-se ao longo deste ano, com os hospitais a terem maiores dificuldades em assegurar a prestação de cuidados, face à redução de 300 milhões de euros no orçamento do SNS, que vem somar-se aos cortes ocorridos nos anos anteriores.
Situação tanto mais inaceitável e chocante quanto é certo que o Governo, ao mesmo tempo que procede a cortes no SNS e no financiamento de unidades públicas de saúde, continua a abrir os cordões à bolsa para favorecer os privados. Veja-se, como tratou de denunciar a parlamentar do PCP, a transferência de 500 milhões de euros para os grandes hospitais privados ao abrigo da ADSE, a par do aumento em seis por cento dos encargos com as parcerias público privadas da saúde, qualquer coisa como 418 milhões de euros em 2014.
E por isso acusou o Governo de estar mais preocupado com «números e com o negócio que os grupos económicos fazem à custa da saúde dos portugueses». E pior ainda, de encarar as pessoas e o aumento da sua esperança média de vida como «um pesado fardo» que é sinónimo de «mais despesa».
Acção destruidora
Ideia muito sublinhada foi, por outro lado, a de que todas as medidas e opções tomadas por este Governo – desinvestimento público, ataque aos direitos dos trabalhadores, não supressão das situações de carência de profissionais de saúde, transferência de custos para os utentes, entrega de áreas da saúde aos grandes grupos económicos e financeiros – correspondem de facto ao seu programa e são fruto da sua vontade e agenda própria, não colhendo a invocação de PSD e CDS-PP de que se trata de imposições do pacto de agressão assinado com a troika.
«Com este Governo o direito à saúde não é para todos os portugueses. E cada vez mais o acesso à saúde depende do rendimento e da origem social, permitindo aos mais pobres somente o acesso a um pacote mínimo de serviços», concluiu Paula Santos, evidenciando assim como a «defesa do SNS é incompatível com a aplicação do pacto de agressão e com a política de direita».
Iludir a gravidade dos factos
Num registo pouco sereno o deputado do PSD Miguel Santos acusou o PCP de utilizar uma «linguagem bélica» e de desconhecer a realidade. Isto porque a bancada comunista, dias antes, dando exemplos concretos do modo como se agravam as condições de acesso aos cuidados de saúde, denunciou o caso de uma utente com um cancro inoperável depois de aguardar um tempo sem fim por uma colonoscopia. Reconhecendo ser este um «caso dramático», o deputado do PSD quis no entanto reduzir-lhe a gravidade resumindo-o possivelmente a uma «falha no sistema».
«Quem tem um problema com a realidade não é o PCP», ripostou Paula Santos, notando que todas as questões por si colocadas correspondem aos factos. E por isso devolveu a acusação e considerou que é o PSD que «enterra a cabeça na areia» e continua a não querer avaliar as consequências da sua política.
A forma e o tempo gasto pelo deputado laranja para caracterizar a linguagem do PCP foi ainda visto pela deputada comunista como um expediente por aquele utilizado para «não ter que falar das questões de saúde e das situações dramáticas hoje sentidas por milhares de portugueses por não terem acesso aos cuidados de saúde.
Não deixou entretanto de ser notória a diferença de tom entre PSD e CDS na reacção à intervenção do PCP, com aquele último, pela voz de Isabel Galriça Neto, a moderar não só as palavras na abordagem a esta matéria como a afirmar que da sua parte «não se ouvirá que está tudo bem», contraste que Paula Santos não deixou de registar.
À deputada do CDS, que sugerira haver exagero na denúncia de situações caóticas e de que essa ideia não era favorável ao SNS, respondeu a deputada comunista assinalando que os interessados na difusão de que «não há capacidade de resposta às necessidades dos portugueses são os partidos que estão no Governo», porquanto, explicou, «serve o objectivo de levar as pessoas a aceitar mais facilmente a privatização dos serviços públicos de saúde».
E insistiu que não é com estas políticas que se garante a sustentabilidade do SNS, com a redução da despesa feita à custa do encerramento de serviços, de restrições nos medicamentos, nos exames, nas consultas, nas cirurgias, em suma, «à custa da saúde dos portugueses».
PS tem culpas
Muito realçado por Paula Santos foi o carácter desumano da política do Governo nestes dois anos, vedando o acesso aos cuidados de saúde a muitos e muitos utentes. E advertiu que a situação pode vir a agravar-se com os critérios que o Governo definiu para 2014 em relação ao financiamento aos hospitais EPE unidades locais de saúde, penalizando e acrescentando dificuldades às dificuldades existentes. O que em sua opinião trará «mais degradação da qualidade da prestação de cuidados de saúde».
Ainda neste capítulo, acusou o Executivo de omitir que muitas das dificuldades destes hospitais são devidas ao «subfinanciamento crónico ao longo de anos».
Uma matéria onde o «PS não está isento de culpa», lembrou a deputada do PCP, em resposta às considerações feitas pela deputada daquele partido Maria Antónia Almeida Santos.
É que, sublinhou, muitos problemas não são de hoje e a todos eles, em consequência do pacto de agressão – do qual o PS não se desvincula –, acresce um agravar das condições em matéria de saúde, desde o subfinanciamento ou o corte no transporte de doentes não urgentes, passando pelo fecho de inúmeros centros de saúde e serviços de atendimento permanente, entre tantas outras medidas de desmantelamento do SNS.
Retrocesso de décadas
Meses e até anos à espera de um exame, cirurgias programadas que são adiadas por falta de material clínico (como no Hospital de S. José ou no Centro Hospitalar do Algarve), equipamentos que avariam e não são reparados (como no Hospital de Sto António no Porto), eis três exemplos que ilustram o quadro de dificuldades e problemas existentes na prestação de cuidados de saúde no nosso País.
Um a um, com identificação das respectivas unidades de saúde, foram estes casos que o PCP denunciou em plenário assim comprovando a justeza das acusações contra uma política que em sua opinião está apostada em desmantelar o Serviço Nacional de Saúde.
Entre tantos outros casos referenciados por Paula Santos, que ilustram o desrespeito pela vida e pela saúde das pessoas, destaque para os elevados tempos de espera nas urgências hospitalares ultrapassando todos os limites do razoável, como a espera de oito horas no hospital das Caldas da Rainha, a de dez horas no Hospital Garcia de Orta, a de 20 horas no Hospital Amadora-Sintra ou a inimaginável espera de 50 horas no Hospital de Santo António como foi denunciado por um doente que ali teve de ser internado.
«É com esta realidade que nos querem convencer de sinais positivos e recuperação do País?», perguntou Paula Santos, não escondendo a sua indignação perante uma política que do seu ponto de vista está a impor «um retrocesso de décadas», a «negar os cuidados de saúde de que os portugueses necessitam», a «condenar as pessoas à morte antecipada»