Cancro: sou contra - és contra o quê?
Publicado por Lúcia Gomes

É a altura do Peditório Nacional da Liga Portuguesa Contra o Cancro. Nos cruzamentos, semáforos, em vários locais, incluindo hospitais do Serviço Nacional de Saúde estarão pessoas, voluntários, que abnegadamente dispõem do seu tempo e da sua bondade para ajudar neste ... peditório... convictos de que estão - e estão - a dar o seu genuíno contributo na luta contra o cancro.
Começa a altura em que as televisões, os outdoors, as revistas e a internet se enchem de um cartaz cuja face famosa varia, permanecendo a afirmação. Sou Contra.
Saltam logo as caras conhecidas a fazerem a sua campanha anual, com cara séria, a apelar aos sentimentos mais nobres de cada um de nós. No entanto, não consigo deixar de pensar naquela frase. «Sou contra.». Mas contra o quê?
Contra o fim da isenção de taxas moderadoras para os doentes crónicos? É que um doente com cancro não tem necessariamente que morrer. Pode ser «tão só» um doente crónico sujeito a tratamentos duros, invasivos e desgastantes. Pode mesmo ter derrotado o cancro e ficado com algumas das muitas consequências da sua presença. Mas se essa consequência não estiver tabelada, este governo não o deixa ter a sua doença - que é crónica - e, consequentemente, até pode ter que ir ao hospital três a quatro vezes por mês. E, de todas as vezes, terá que pagar taxa moderadora (7, 75 euros), exames (desde 4 euros de uma análise ao sangue até aos 40 e muitos euros de uma colonoscopia com sedação e biópsias), urgência (20 euros). Se não tiver dinheiro, não faz os exames nem vai às consultas. Pode ter a sorte de ter uma recidiva e, voltando o cancro, volta a estar isento. Mas isto se tiver a sorte de o cancro voltar.
Contra a inexistência de medicação de última geração nos hospitais? É que como a medicação é muito cara, este governo tem optado por não dotar os hospitais do SNS e, assim, os doentes cancerosos fazem uma medicação menos eficaz, com menos probabilidades de resultados eficazes, com terapias mais invasivas e dolorosas ou não fazem nenhuma porque o medicamento não é vendido nas farmácias e mesmo que fosse, não tinham dinheiro para o comprar.
Contra a recusa de tratamentos paliativos porque são dispendiosos? É que são recusados numerosos tratamentos com vista apenas ao bem-estar de doentes cancerosos em estado terminal, e como vão morrer e vão, bem podem morrer com dores que se calhar ninguém vai perceber porque eles já nem falam.
Contra o fim do transporte gratuito de doentes? É que com as alterações deste governo, iniciadas com o governo PS ao transporte de doentes, se um doente com cancro tiver a sorte de lhe ser atribuído um transporte, só tem que caber no horário dos outros 6 doentes transportados na mesma ambulância e assim, quando vai fazer o tratamento a um hospital a 60 km da sua residência (ah, sim, várias valências estão encerradas!) só tem que ficar o dia todo fora de casa, sozinho (vá, na companhia dos outros doentes que não conhece de lado nenhum), deste as 7 da manhã até às 18 porque tem que esperar por todos os tratamentos (uma vez que a ambulância, como é evidente, só vai fazer uma viagem).
Contra o preço absurdo da medicação? Particularmente aqueles medicamentos mais capazes do controlo da dor, esses também não são a-b-s-o-l-u-t-a-m-e-n-t-e necessários e mesmo que sejam, a pessoa com cancro tem que escolher. Ou toma os que tem mesmo que tomar ou...
Contra a inexistência de um regime laboral e de segurança social de protecção aos doentes com cancro? Pois, é verdade! Quem tem cancro não tem um regime que tenha em conta o natural absentismo de pessoas que têm que fazer quimioterapia, radioterapia - de novo, nem todos os doentes com cancro morrem! - e os proteja nesta situação tão complicada. A lei está há décadas por regulamentar e, graças a Mota Soares, os doentes com cancro (e todos os outros que estejam doentes por mais de 30 dias) têm direito a apenas 55% da sua remuneração base.
Contra o encerramento de hospitais? Esta é auto-suficiente, não é?
Contra a falta de médicos, enfermeiros, auxiliares, administrativos e outros trabalhadores nos hospitais e centros de saúde? (esta também se explica a si mesmo, vá)
Contra a inexistência de uma legislação laboral que permita a um membro da família (pai, mãe, filho, filha, avô, avó e outros parentes, já ficaram com a ideia) poder cuidar de uma pessoa com cancro sem ter que perder o emprego ou, optando pela «baixa» para assistência à família, perder o salário e apenas prestar apoio 15 dias? (é que às vezes dar banho, alimentar, cuidar, fazer companhia, amar, leva bem mais tempo do que isso...)
Sou contra. Contra o quê?
Eu sou contra a falta de dignidade na vida e na morte de uma pessoa. De qualquer pessoa. Particularmente quando essa pessoa tem cancro. E sei - sei-o de facto - que alguém com cancro não precisa de um peditório. Essa pessoa tem direitos. E esses, exige-se que sejam cumpridos. Um doente com cancro não precisa de esmolas. Precisa que o Estado assuma o seu papel, cumpra e garanta o seu direito à saúde e respeite a dignidade de cada ser humano.
Pantomina
Limpeza das listas de utentes dos centros de saúde
A associação das unidades de saúde familiar avisou hoje que a limpeza das listas de utentes dos centros de saúde está a ser feita à revelia dos médicos, contrariando o que tinha sido combinado com o Ministério.
“Todos os três meses estão a ser expurgados utentes das listas sem o conhecimento dos próprios médicos”, afirmou o presidente da associação USF-AN durante uma audiência na comissão parlamentar de saúde.
Segundo Bernardo Vilas Boas, o acordo que o Ministério da Saúde tinha feito com os sindicatos indicava que nenhuma alteração das listas de utentes poderia ser feita, sem o conhecimento do cidadão e do médico.
“Os profissionais só se apercebem da saída de utentes já depois de ela estar consumada”, indicou depois aos jornalistas um representante das USF, contestando esta forma de actuação “apenas burocrática”.
Para Bernardo Vilas Boas, a equipa de saúde deveria ter uma palavra a dizer para que não ocorram situações como uma criança surgir na lista de um médico de família, estando os pais ausentes dessa listagem.
Sobre este processo, a deputada do PCP sublinhou que “não está claro” que, quando o doente quiser regressar ao sistema, tenha o seu médico de família disponível.
O actual Governo definiu que os utentes que estão três anos sem consultar o médico de família devem ser retirados das listas, sendo primeiro contactados pelos centros de saúde para dizerem se pretendem ou não manter o lugar na lista do médico.
I 23.10.14 link
É a política dos cortes a eito e sem jeito em todo o seu esplendor. Da pantomina. Quem se lembra da promessa do governo de dar médico de família a todos os portugueses ? Actualmente, prestes a atingir o fim da legislatura, mais de um milhão e 300 mil portugueses continuam sem médico de família.
Entretanto, o governo promete perseguir o objectivo em 2005, desta feita , através da transferência de alguns cuidados hospitalares para "estruturas de proximidade" (locução que especialmente aprecio) para garantir, desta feita, um médico de família para cada português” link. Sem esquecer, a medida amanuense de limpeza das listas de utentes dos CS.
Mas quando é que estes perigosos pantomineiros se vão embora?
Apagão na Saúde ?
Informática à beira do colapso na Saúde
Desde o início do ano, cerca de 30 profissionais saíram dos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde, empresa responsável pelo desenvolvimento e manutenção dos sistemas informáticos que funcionam nos hospitais e centros de saúde.
O "êxodo" intensificou-se nos últimos meses com a saída de gestores de Projectos importantes como a Plataforma de Dados da Saúde (PDS), a Prescrição Electrónica de Medicamentos (PEM), a Consulta a Tempo e Horas (CTH) e o SONHO. Alguns destes já não funcionavam bem e há risco de piorarem, comprometendo o funcionamento dos serviços, alertam profissionais que deixaram os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS). link
Inês Schreck, JN 25.10.2014
Correremos o risco de termos na Saúde um apagão semelhante ao que sucedeu com o CITUS na Justiça? Por que se afastam, ou são afastados, estes profissionais?
Estamos a assistir a um êxodo de quadros qualificados da Função Pública em diversos sectores e domínios do saber e os responsáveis políticos desprezam as consequências e desvalorizam as causas.
Tavisto
Austeridade mata
«Mesmo em tempo de crise investir em Saúde Pública é rentável»
Os efeitos as políticas de austeridade do sector da saúde foram «desastrosos» sobretudo porque ocorrerem numa altura em que os cidadãos mais precisam de cuidados. A ideia é defendida pelo investigador inglês, David Stuckler, que considera «vantajoso» o investimento em Saúde Pública, mesmo durante as crises económicas
«Mesmo em tempo de crise investir em Saúde Pública é rentável», afirmou, no Porto, David Stuckler, sociólogo e investigador da Universidade de Oxford (Inglaterra), defendendo que, muito embora a recessão seja prejudicial, no caso da saúde «as medidas de austeridade podem matar».
Convidado a falar sobre The Body Economic: Why Austerity Kills (exactamente o título da publicação de que é co-autor e que é muito crítica em relação às políticas de austeridade no sector da Saúde), no âmbito do 6º Encontro Nacional da Clínica de Ambulatório VIH, Hospitais e Dia link o também professor de Política Económica e Saúde Pública da Universidade de Oxford advertiu: «Os políticos falam incessantemente acerca do sísmico impacto económico e social da recessão, mas muitos continuaram a ignorar os seus efeitos desastrosos na saúde das pessoas». Aliás, para David Stuckler, nos últimos três anos, as políticas adoptadas neste sector «exacerbaram esses efeitos em muitos países, sobretudo nos que adoptaram severas medidas de austeridade», permitindo «cortes em programas sociais na altura em que os cidadãos mais precisavam deles».
Segundo Stuckler, que acompanhou particularmente a situação da Grécia, desses cortes resultou, em muitos países - como de resto o investigador denuncia no The Body Econoimic, edição que mereceu já destaque na revista The Lancet –- «na transformação da sua recessão em verdadeiras epidemias», «arruinando ou extinguindo milhares de vidas num disparatado esforço para equilibrar o orçamento e os mercados financeiros».
«Um problema de vida ou de morte»
Na sua intervenção, que teve como moderador António Sarmento, presidente do encontro e director do Serviço de Doenças Infecciosas do Centro Hospitalar de São João, no Porto, Stuckler mostra como a política dos governos se tornou «um problema de vida e de morte» durante a crise financeira. Com base numa série de estudos de caso «históricos», que se estendeu desde a América dos anos 30, passando pela Rússia e Indonésia dos anos 90, até à Grécia, Espanha, Inglaterra e Estados Unidos dos nossos dias, o sociólogo demonstra que «a má orientação das políticas [de saúde] relativas à crise financeira resultou num aparatoso desfile de tragédias humanas», que vão desde suicídios e infecções por HIV até epidemias, como foi o caso da tuberculose. No entanto, durante a depressão, países como a Islândia, Noruega e Japão «estão mais felizes e saudáveis do que nunca, provando que os choques financeiros não destroem inevitavelmente a Saúde Pública», acrescentou o investigador.
«Isto não está na mesma, está pior, como é evidente»
As consequências da crise económica e os cortes no orçamento do sector foram também comentadas por António Sarmento que, em declarações ao «TM», esclareceu: «A saúde custa dinheiro e exige recursos humanos, portanto, quando há menos dinheiro e menos recursos a saúde piora claramente. Qualquer pessoa sabe que mesmo que os médicos sejam muito bons, um doente é melhor tratado na Alemanha do que na Etiópia ou na Somália, onde não existem recursos. Realmente, se se fazem cortes sucessivos no orçamento para a Saúde, como é lógico, a saúde vai ter que piorar».
Embora os indicadores em Portugal possam «não espelhar exactamente a realidade», para este infecciologista, quem trabalha no dia-a-dia com doentes – nos hospitais, nos centros de saúde, nas consultas – «tem a nítida noção que realmente esta crise económica - a falta de recursos - está a ter consequências no quotidiano das pessoas e até dos cuidados prestados». Portanto, frisa, «isto não está na mesma, está pior, como é evidente».
«Fazer mais e melhor com menos é uma demagogia completa»
Em Portugal qual o impacte da austeridade no sector da Saúde? Para António Sarmento, entre nós, «globalmente, a situação sempre esteve difícil em todos os sectores», e por isso não há nada que garanta que agora está mais fácil do que há quatro anos, pelo contrário. «Não vale a pena as pessoas enganarem-se a si próprias nem enganarem os outros». E sublinha: «Quando vem um governante nosso dizer, ao fim de quatro anos, que “temos que fazer mais e melhor com menos”, é uma demagogia completa, não se pode, só se fôssemos mágicos». E remata: «Depois de quatro anos de cortes, fazer mais e melhor com menos não é possível, se não tínhamos descoberto a pedra filosofal».
Embora acredite que não atingiremos os «dados assustadores» que ocorreram na Grécia com o recuo dos serviços de Saúde, porque «temos um SNS muito mais sólido», «bem implantado» e «assente na competência dos profissionais», o ex-secretário de Estado Adjunto e da Saúde e agora vereador da Câmara do Porto, Manuel Pizarro, que também interveio no encontro, admitiu que, recentemente, os serviços «estão a dar já mais sinal de incapacidade de resposta» porque «o efeito cumulativo das restrições acaba por ter grande impacte no presente, que se vai agravando progressivamente». Por outro lado, sublinha, «não se vêem sinais de preocupação nem tomada de medidas que permitam alterar esta realidade».
Embora não dispondo ainda de dados, o autarca adianta que todos os serviços sociais da cidade do Porto vão dando eco de «situações de agravamento», não só no domínio do abuso de substâncias, mas também pelo aparecimento de doentes com patologia psiquiátrica grave que recusam tratar-se. «Estão a abandonar os tratamentos por falta de uma estrutura de suporte que lhes permita restabelecer os laços sociais e de contacto», avisou Manuel Pizarro, acrescentando: «Temos o direito de exigir a quem toma decisões em matéria de redução desses apoios que faça, ao menos, uma avaliação regular do impacte que isso tem sobre a saúde dos portugueses».
«Se houver menos dinheiro há menos cuidados, é óbvio»
Questionado acerca do impacte da crise económica na área das doenças infecciosas, onde os tratamentos podem atingir custos consideráveis, António Sarmento, director do Serviço de Doenças Infecciosas do Centro Hospitalar de São João, limitou-se a esclarecer: «A saúde custa dinheiro e por isso se este faltar há menos cuidados, isto é, os medicamentos custam dinheiro, depois há os salários, há o rácio adequado de médicos e enfermeiros, que custa dinheiro, portanto se houver menos dinheiro há menos cuidados, é óbvio».
Crise económica «encoraja hábitos de consumo de drogas»
«Todo o ambiente de crise económica e de depressão nacional encoraja os hábitos de consumo de drogas» e «a privação económica dos próprios consumidores faz com que o consumo via injectável seja mais compensatório», afirmou Manuel Pizarro, ex-secretário de Estado Adjunto e da Saúde. O agora vereador da Câmara do Porto, que falava sobre «Dificuldades de adesão às consultas e tratamentos – Causas económicas e sociais» considera que as medidas de contenção de despesa, embora «possam ser compreensíveis» num contexto de emergência nacional, «precisam de monitorização, estudo prévio e avaliação do seu impacto, o que não tem ocorrido».
«Acima de tudo preocupa a alteração do funcionamento de serviços que, para responder a populações excluídas, precisam mais do que o acto técnico da consulta médica», sublinhou.
«Distribuição de seringas passou para metade de um ano para o outro»
«O que foi decidido fazer em matéria de distribuição de seringas, alterando o protocolo com a Associação Nacional de Farmácias e passando [a distribuição] para dentro dos centros de saúde teve, pelo menos, um efeito numérico: a distribuição de seringas passou para menos de metade de um ano para o outro», afirmou Manuel Pizarro, garantindo que «o país vai pagar isso». Para o vereador da Câmara do Porto, «a pequena poupança que existiu nessa mudança vai se paga e não apenas em vidas humanas mas, mais tarde ou mais cedo, pelos custos adicionais dos tratamentos». O que precisamos e devemos fazer então para aproximar pessoas em condição económica de exclusão e da adesão à terapêutica? Para Manuel Pizarro, o importante é «olhar para as experiências bem sucedidas», citando como exemplo o Centro de Terapêuticas Combinadas do Hospital Joaquim Urbano, experiência que, como disse, «merece ser estudada e reproduzida», em que os doentes são abordados de «forma holística», procurando «a sua reinserção e adesão à terapêutica».
«Há mais 200 mil pessoas a viver em estado de privação»
«Não há dados sobre a situação da pobreza na infecção VIH/Sida, mas pode aplicar-se a presunção genérica, como acontece em todas as doenças», ou seja, «é de supor que aqui [a pobreza] acontecerá de forma mais dramática e impressiva», afirmou Manuel Pizarro. O ex-membro do Governo, que falava numa mesa sobre «Não adesão dos doentes aos tratamentos», lembra que mais «assustador do que isso» é que, entre 2010 e 2013, a percentagem de portugueses que ficou em estado de privação material grave aumentou de 9 para 11%. «Parece apenas um pequeno aumento de 2%, mas isso significa que há mais 200 mil pessoas que vivem em estado de privação material grave que, no conjunto, atinge um milhão de portugueses», frisou.
Embora concordando que existam «ideias diferentes» sobre a organização do sistema de saúde, por exemplo, em relação às dependências e ao abuso de substâncias lícitas ou ilícitas, Manuel Pizarro mostra, contudo, que «não é boa ideia» fazer aquilo que designa por «experimentalismo organizacional». E fazê-lo, sobretudo, «numa fase de crise grave», onde é previsível o reacender de vários problemas: «Não há dados fiáveis em matéria de consumo de substâncias ilícitas, designadamente por via injectável – o factor de maior risco do ponto de vista de propagação de infecções - mas todos os dados empíricos apontam para um agravamento do fenómeno», admitiu, acrescentando: «Há dados que apontam para cerca de 14% do consumo de drogas injectáveis já nesta década, dados muito parcelares, no entanto, nos bairros municipais do Porto, em mais de 250 casas, há uma suposição bem alicerçada de existir tráfico de droga e não há tráfico sem haver consumidores.
«Provavelmente estamos a alterar uma curva positiva das últimas décadas de diminuição do peso dos consumos de drogas e sobretudo da diminuição do consumo por via injectável», preconizou, até porque, disse, «há muitas razões para que isso aconteça».
Tempo de Medicina, Manuel Morato , 17.10.14
OE 2015: saúde penalizada com mais austeridade
Publicado em 15 de Outubro de 2014, porCatarina Gomes

De acordo com a versão preliminar do Orçamento Geral do Estado (OE) para 2015, a que o nosso jornal teve acesso, os médicos integrados em unidades do Serviço Nacional de Saúde (SNS) poderão ser requisitados pelas administrações regionais de saúde (ARS) para prestarem serviço noutras unidade onde se verifique carência de médicos, ao abrigo do regime de mobilidade dos profissionais de saúde já em vigor. “Em situações de manifesta carência, susceptíveis de poderem comprometer a regular prestação de cuidados de saúde, podem as Administrações Regionais de Saúde utilizar a mobilidade prevista [na Lei] de um trabalhador de e para órgão ou serviço distintos, desde que, ambos, situados na respectiva área geográfica de influência”, lê-se na versão preliminar do OE/15.
Taxas moderadoras afinal vão aumentarAo contrário do que tinha vindo a ser sugerido por diversos altos responsáveis da saúde nos últimos tempos, incluindo o ministro, Paulo Macedo, as taxas moderadoras na saúde não vão descer o preço no próximo ano. Pelo contrário, deverão mesmo sofrer um aumento ligeiro, indexado ao valor da inflação. Isto porque de acordo com a versão preliminar conhecida do OE/2015 mantém-se a regra de actualização do valor das taxas à inflação, à excepção das taxas pagas nos cuidados de saúde primários. Uma excepção que, aliás, já aconteceu em 2013 e 2014.
Recorde-se que no passado dia 3, durante o debate parlamentar subordinado ao tema “SNS, erros do passado e desafios do futuro”, Paulo Macedo admitiu baixar as taxas moderadoras em 2015. Uma diminuição que segundo o ministro seria sempre pequena, ao nível dos cêntimos, mas que ainda assim poderiam fazer recuar os valores aos níveis de 2013. “Às perspectivas da inflação nós entendemos que há uma possibilidade concreta de reduzir as taxas moderadoras”, concretizou o ministro.
Centros de saúde geridos pelas autarquias?Não é perfeitamente claro na redacção da versão preliminar no OE/2015 a que o nosso jornal teve acesso, que o Governo vá mesmo iniciar no próximo ano a transferência da gestão dos centros de saúde do continente para a esfera municipal.
A possibilidade de tal poder vir a acontecer surge da previsão, inscrita no documento, de que em 2015 fica o Governo “autorizado a transferir para os municípios do continente as dotações inscritas no orçamento do Ministério da Saúde, referentes à competência a descentralizar no domínio dos cuidados de saúde primários”.
As verbas concretas a transferir serão definidas posteriormente, “mediante portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, da saúde e da administração local”.
Recorde-se que em meados de Julho, o ministro-adjunto e do Desenvolvimento Regional, Miguel Poiares Maduro, anunciou que o Governo estava a estudar a transferência da gestão dos centros de saúde para os municípios, no âmbito da descentralização de competências que abrange também as escolas e a segurança social. De acordo com Poiares Maduro, o modelo de descentralização dos centros de saúde para as autarquias envolve também o Ministério da Saúde e deve ser um modelo que defina “com muita clareza quais são as competências da administração central e dos municípios e quais os meios financeiros a que está sujeita a transferência das competências”.
Ora, a verdade é que não obstante o anúncio e mesmo a previsão inscrita na versão preliminar do OE para 2015, não existe qualquer grupo de trabalho, plano ou roteiro que possibilite determinar com um mínimo de certeza o que de facto se pretende.
Endividamento: hospitais EPE com “rédea curta”Em 2015, os limites ao endividamento das empresas do sector público – entre as quais se destacam, pelo incumprimento reiterado, os hospitais EPE – desce um ponto percentual relativamente ao tecto aplicado este ano, que foi de 4%, considerando o financiamento remunerado corrigido pelo capital social realizado.
Mercado farmacêutico vai ser taxadoPrevista para entrar em vigor já no OE de 2014, a taxa sobre as vendas da indústria farmacêutica acabaria por ficar “na gaveta” tendo o efeito previsto sido substituído pelo resultante do acordo celebrado entre o Ministério da Saúde e a Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (APIFARMA), celebrado em Junho, através do qual as empresas do sector se comprometem na redução da despesa pública com medicamentos com uma contribuição de 160 milhões de euros.
Mas vai mesmo avançar em 2015, de acordo com a proposta de orçamento para o ano que vem, onde se pode ler que a nova taxa incidirá sobre todas as entidades que façam a primeira venda em território nacional de medicamentos e irá incidir sobre o total das vendas mensais de medicamentos comparticipados pelo Estado, sujeitos a receita médica, gases medicinais e derivados do sangue e plasma humanos, medicamentos órfãos ou para consumo em meio hospitalar.
A também chamada “taxa de sustentabilidade” será aplicada sobre o valor remanescente do Preço de Venda ao Público, após dedução da taxa de IVA e do valor correspondente à comparticipação pelo Estado.
As taxas da contribuição vão ser definidas por portaria do ministro da Saúde, e podem variar entre os 0,5% e os 12% nos medicamentos comparticipados, 10% a 15% nos medicamentos sujeitos a receita médica, 0,5% a 5% em gases medicinais e derivados do sangue e do plasma e em igual montante nos medicamentos órfãos.
As taxas a aplicar serão fixadas em portaria a publicar oportunamente, ainda que a aplicação entre em vigor já em Janeiro, com valores entre os 2,5% e 12,4%.
Do valor resultante da cobrança das novas taxas sobre as vendas de medicamentos e produtos de saúde, 97% será afecto ao SNS, como receita própria, revertendo os 3% remanescentes a favor da Autoridade Tributária e Aduaneira, para cobrir “encargos com liquidação e cobrança”.
Outra novidade prevista na proposta de OE para 2015 é a aplicação de juros de mora às empresas farmacêuticas que não liquidem as taxas dentro do prazo respectivo. “Começam a correr imediatamente juros de mora”, lê-se na versão preliminar do OE/15 e a “cobrança da dívida é promovida pela Autoridade Tributária e Aduaneira”.
As medidas de controlo da despesa com medicamentos, cujo aumento é, de acordo com os especialistas, inevitável, devido à evolução do perfil epidemiológico nacional levou o executivo de Passos Coelho a avançar com medidas suplementares que permitam atenuar a tendência. Uma delas é a que determina que “o Preço de Venda ao Armazenista (PVA) máximo não pode ultrapassar o PVA médio praticado nas aquisições pelos hospitais do SNS no ano civil anterior [2014]“, lê-se na versão preliminar do documento.
Cigarros electrónicos vão ser tributadosDe acordo com a versão preliminar do OE para 2015, os cigarros electrónicos vão passar a ser tributados. O imposto sobre o tabaco passará a incidir no líquido contendo nicotina, em recipientes utilizados para carga e recarga de cigarros electrónicos. “São equiparados aos cigarros, aos tabacos de fumar, ao tabaco para cachimbo de água, ao rapé, ao tabaco de mascar e ao tabaco aquecido, os produtos constituídos, total ou parcialmente, por substâncias que, não sendo tabaco, obedeçam aos outros critérios” como o “tabaco manufacturado especialmente preparado para emitir um vapor sem combustão da mistura de tabaco nele contida”, lê-se no documento. Excluídos da tributação ficam os produtos que tenham uma função exclusivamente medicinal.
Venda ou aluguer de imóveis para reforçar capital dos hospitais EPENa proposta de OE para o próximo ano, prevê-se que o Ministério da Saúde possa utilizar total ou parcialmente o produto da alienação, oneração, arrendamento e cedência de utilização de imóveis. O que poderá servir para reforço de capital dos hospitais EPE, construção ou manutenção de infra-estruturas afectas a cuidados de saúde primários e para despesas necessárias à aquisição de equipamentos de diagnóstico e de terapia, bem como despesas necessárias aos investimentos destinados à recuperação e manutenção de edifícios e reorganização das infra-estruturas do Parque de Saúde de Lisboa.
Infarmed impede transferência de farmácia em Abrantes

A Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde (Infarmed) impediu a transferência de uma farmácia situada na freguesia da Bemposta, no concelho de Abrantes, para outra localização na freguesia de Alferrarede, situada no mesmo concelho mas já em zona urbana.
A informação é avançada pela agência Lusa, que cita o presidente da junta de freguesia da Bemposta, Manuel Alves (PS), que considera que a decisão é uma vitória para a população, que não queria perder a única farmácia situada na freguesia e que é também utilizada por moradores de localidades vizinhas.
Segundo o autarca, caso o estabelecimento fechasse, a farmácia mais próxima ficaria a cerca de 12 quilómetros de distância, em Rossio ao Sul do Tejo, o que seria uma dificuldade acrescida sobretudo para a população mais idosa.
Manuel Alves explica que o Infarmed fundamentou a decisão de impedir a mudança de localização da Farmácia Torres porque o pedido do proprietário, que alegava prejuízos financeiros pelo fraco movimento diário do estabelecimento dado o número reduizido de habitantes da freguesia, não cumpria os critérios definidos pela lei vigente.
Em declarações também à agência, a gerência da farmácia já anunciou que discorda da decisão do Infarmed e tenciona apresentar recurso da mesma.
Refira-se que em fevereiro deste ano a população Bemposta (cerca de dois mil habitantes) promoveu uma petição contra a mudança, em forma de abaixo-assinado e que recolheu mais de 600 assinaturas. Na altura foi também interposta uma providência cautelar contra a transferência da farmácia.
Especialistas Urgência do Centro Hospitalar do Médio Tejo sem a presença de urologistas
O Serviço de Urgências do Centro Hospitalar do Médio Tejo (CHMT), composto pelas unidades de Abrantes, Tomar e Torres Novas, vai funcionar a partir de hoje sem a presença dos especialistas de urologia.
Lusa
19:47 - 01 de Outubro de 2014 | Por Lusa
A alteração consta de um documento que define um novo modelo, assinado pelo diretor do Serviço de Urologia e a que a Lusa teve acesso.
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A medida que hoje entrou em vigor pressupõe um modelo de apoio do Serviço de Urologia (instalado no hospital de Tomar) ao Serviço de Urgências do CHMT, a funcionar em Abrantes, "em regime de apoio/consultadoria" aos doentes.
Assim, todas as solicitações ao Serviço de Urologia deverão ser efetuadas através de uma linha telefónica disponibilizada para esse fim, entre as 09:00 e as 20:00, e o urologista contactado dará orientações à distância sobre a eventual alta clínica ou o internamento.
O novo modelo entra em vigor a título experimental por um período de três meses (até 31 de dezembro).
Os pedidos de observação a doentes internados nas três unidades do CHMT serão canalizados por correio interno para o secretariado do Serviço de Urologia, que, após triagem, decidirá pela observação regular semanal por um urologista, no caso de diferimento, ou, em caso de extrema urgência, solicitará aos serviços o envio do doente à unidade de Tomar, onde será observado.
No documento, o conselho de administração refere que, no Serviço de Urologia, "são raras as situações de necessidade de intervenção em menos de 24 horas" e diz que "os recursos humanos existentes (quatro urologistas) tornam inviável uma prestação de urgência em regime de presença física".
Por isso, defende, o novo modelo de apoio "é mais prático, mais versátil, dinâmico e eficaz do que o existe atualmente".
A Comissão de Utentes da Saúde do Médio Tejo (CUSMT) já criticou o novo modelo, afirmando "existir um fio condutor de redução progressiva de serviços, em prejuízo dos utentes".
Em declarações à agência Lusa, o porta-voz da CUSMT, Manuel Soares, defendeu um serviço de urgência "organizado numa base de proximidade com os três hospitais", ao invés da atual concentração numa única unidade hospitalar.
O representante lamentou os "riscos demasiado elevados de falha nos processos de diagnóstico e terapêutica" num serviço de urgência médico-cirúrgica sem a presença física de urologistas.
"Um médico de clínica geral não tem a mesma sensibilidade de um urologista", vincou.
A agência Lusa tentou contactar o conselho de administração do CHMT, o que ainda não foi possível.