É um erro dizer que «não podemos ter um “sistema gratuito”»
Pôr os portugueses a pagar mais para a Saúde é um «erro básico» que tem de ser «definitivamente erradicado» do discurso público. Quem o diz é Adalberto Campos Fernandes, um dos oradores convidados do 12.º Congresso Nacional de Bioética, que se realizou a 13 e 14 de Janeiro no Porto.
«Corremos o risco, perante os mais novos, de continuar a incorrer numa narrativa errada — a de que não podemos ter um “sistema de Saúde gratuito”» —, afirmou Adalberto Campos Fernandes, docente da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP), justificando que entre nós vigora «um sistema de Saúde pré-pago». Isso significa, frisa, que «cada um contribui para os seus direitos» e cobre também «as necessidades de quem não pode descontar».
Segundo o ex-gestor do Centro Hospitalar Lisboa Norte, que falava sobre «Escolhas em Saúde» no âmbito do 12.º Congresso Nacional de Bioética, é preciso dizer que o sistema de pôr quem paga a pagar mais «está ultrapassado, está no fim», ou seja: «Em Portugal, a contribuir para todos estão apenas 30% dos portugueses, que pagam mais também em sede de IRS e IRC.» E acrescenta: «É importante dizer aos mais novos que o sistema em Portugal é muito bem pago e é caro.»
Em jeito de resposta às críticas à «gratuitidade tendencial» do sistema, o gestor citou Constantino Sakelarides, que costuma dar o exemplo do sinistro automóvel: «Se eu for a uma companhia segurar o meu carro, a companhia não me pergunta se sou mais ou menos rico do que o vizinho do lado, que vai também segurar um carro igual.»
De resto, o princípio da «mutualização no seguro social ou no seguro público é esse», sublinha o médico e docente universitário, defendendo que não é lícito «penalizar os portugueses porque estão a ter um direito de uso abusivo», a «utilizar cuidados que não deviam» e que «se têm mais de 70 anos deviam morrer…». Adalberto Campos Fernandes incentivaria ainda os mais jovens «a não fazer escolhas induzidas numa narrativa técnica e cientificamente errada».
Que fazer então? Para o gestor, antes de atacar os cidadãos o «Estado tem de atacar a sua máquina». E «quando não resolvemos o problema dos centros hospitalares, o preço dos medicamentos, as gorduras do Estado, não temos o direito de ameaçar os cidadãos com uma punição», sobretudo porque os decisores «não fazem o trabalho de casa», acrescenta.
TM 23.01.12