Segunda-feira, 2 de Agosto de 2010
(do Blog "Saúde SA")
Aproveitando a “silly season” ocorreu-nos a ideia de retomar o espírito das “Lendas e Narrativas” para revisitar alguns dos temas críticos do nosso sistema de saúde. Comecemos então pelos seguros de saúde e pelas surpreendentes (apenas para alguns) declarações do presidente da APS: …” Na área da saúde, nos últimos 15 anos não houve um em que, em média, as seguradoras tenham tido resultados positivos". link
Esta afirmação constitui-se num marco histórico: daqui para a frente, passaremos a associar ao problema da sustentabilidade do SNS a questão da sustentabilidade dos seguros de saúde.
Agora imaginemos que vingava a proposta neo-liberal congeminada por PPC e os interesses privados e que Portugal se transforma numa gigantesca apólice de seguro de saúde. Imaginemos, que neste cenário, estes doutos doutrinadores levavam, mesmo, por diante a peregrina ideia da liberdade de escolha. Ou seja tudo para todos, em todo o lugar e a todo o instante. Estaríamos então confrontados, numa escala nacional com o problema referido pelo presidente da APS: …” parte da subida da despesa no capítulo dos seguros deve-se a um problema de comportamento de alguns consumidores, que não encaram o seguro como uma cobertura de risco para acontecimentos aleatórios, mas sim para gastos nem sempre essenciais, esgotando consistentemente o plafond”…
É claro que a extensão racional deste argumento é a inevitável espiral de custos e descontrolo orçamental. O que é certo é que os liberais de pacotilha, com frequência, deixam antever a fragilidade dos seus argumentos. O que pretendem é tão só e apenas a transferência dos fundos públicos para a prestação privada. Eles sabem, tão bem como nós, que os seguros de saúde são insustentáveis e que desde sempre os referidos seguros de saúde fazem severas limitações à liberdade de escolha e de utilização dos seus aderentes. Sabem, igualmente, que os prestadores privados, há muito, que “industrializaram” o modus operandi para “rapar” os plafonds até ao último cêntimo.
Entretanto continuam a propagandear que “em Portugal há dois milhões de pessoas com seguros de saúde”… omitindo que, com coberturas efectivas e utilização frequente, o número não chega a um milhão. Incluem nos dois milhões “seguros meramente virtuais” associados a cartões de crédito ignorando que as novas pessoas seguras mal chegam para compensar as anulações.
Em síntese na lenda dos seguros de saúde começa a ficar nítida a narrativa da insolvência, da insustentabilidade, da restrição de direitos de acesso, por um lado, e da sobre-utilização e facturação por parte dos prestadores privados cujo “negócio” depende do alimento das seguradoras.
Quanto ao resto a história é por demais conhecida: passados quinze anos de seguros de saúde o que fica para a história é um contínuo crescimento dos custos com a prestação privada sem qualquer incremento conhecido na qualidade técnica ou científica. Persiste-se em confundir amenidades com qualidade clínica.
As tentativas de controlo de custos têm sido, sistematicamente, infrutíferas porque existe uma contradição fundamental entre a concorrência pelo preço, dos prémios, entre as seguradoras e a tentativa de “controlar” os prestadores impondo, muitas vezes, aos médicos regras eticamente obscenas de violação da autonomia profissional que se fossem, pelo mínimo, praticadas no SNS levariam o Bastonário da Ordem dos Médicos a “subir pelas paredes” (é claro que tratando-se de práticas no sector privado do Sr. Bastonário apenas se poderá esperar, como habitualmente, o silêncio). Herculano