Segunda-feira, 29 de Novembro de 2010

Unidade de Saúde de Riachos está para "trespassse", segundo Jornal Riachense

Já são quase 3 mil sem médico de família 
Reformou-se mais uma médica do Centro de Saúde, restando apenas um clínico para toda a população.

 Falta de cuidados de saúde sem solução à vista

 

 

 

Em Novembro de 2008, cerca de 1500 utentes inscritos na Unidade de Saúde de Riachos ficaram sem médico de família com a aposentação de João Amora. Agora, dois anos depois, outras 1400 pessoas ficaram na mesma situação como consequência da reforma de Eugénia Saraiva.

Com o fim previsível deste serviço de saúde em Riachos, onde resta apenas a médica Francelina Costa, os utentes têm de se deslocar ao Centro de Saúde de Torres Novas para serem observados por um clínico.
Além de os utentes se verem obrigados a longas horas de espera – muitas vezes desde madrugada - há que acrescentar as despesas de deslocação para Torres Novas. Para quem não tem automóvel, como a linha verde dos TUT não chega ao Centro de Saúde, precisa de comprar quatro bilhetes, num valor total de 5,20 euros. Situação idêntica enfrentam os utentes da Meia Via, Ribeira Branca e Lamarosa.
José António Triguinho Pereira, 57 anos, é uma das pessoas que ficou sem médico de família, sobrando o recurso do Centro de Saúde de Torres Novas. O utente ficou surpreendido quando chegou à Unidade de Saúde de Riachos no início do mês e foi confrontando com a reforma da médica Eugénia Saraiva: “As pessoas tinham consultas marcadas e não foram avisadas. Só soubemos depois de ela se ir embora”, refere, confessando a indignação: “Perde-se um dia para ir pedir uma receita a Torres Novas. Ainda há uns dias cheguei lá à uma da tarde e saí às oito da noite. Como gasto mais de cinco euros em transportes, se for só para pedir receitas, mais vale ir ao Dr. Amora”. No entanto, exames e análises apenas são prescritos no centro médico da cidade, onde a falta de condições leva José Pereira a dizer que “é um sufoco ir a Torres Novas, a sala de espera parece um cochicho”.
A degradação visível da qualidade dos serviços prestados não parece alimentar grandes esperanças nos utentes. Na experiência de José Pereira, ao nível da enfermaria também começam a escassear as virtudes do serviço: “tinha uma injecção marcada para as 9 horas de 16 de Novembro e só quando lá cheguei é que vi um aviso a dizer que não havia enfermeira nesse dia. Já ouvi um zunzum em como a Unidade de Saúde de Riachos iria fechar, dando lugar apenas a serviços administrativos. Se isso acontecer, terei de gastar mais de 100 euros por mês em transportes só para ir levar as injecções a Torres Novas”.

Levar almoço para a consulta

No dia 17, José Pereira lá foi para mais uma consulta no Centro de Saúde de Torres Novas. Chegou por volta das 10 horas, tirando a senha número 62. Voltou à hora de almoço e foi informado que só seria consultado à tarde. Como “um homem prevenido vale por dois”, e antevendo a espera, José Pereira levou farnel. Sentou-se à sombra num banco de cimento no exterior mas logo se mudou para o sol: “Já estava a ficar com o rabo frio!”, conta enquanto vai dando umas garfadas no arroz de pato, já frio, dentro do tupperware. Ao lado, em cima do muro, tinha uma maçã raineta por causa da diabetes, um papo-seco e uma garrafa de água. “Quem é que pode ir gastar seis ou sete euros ali ao restaurante?”, questionava, frisando que a sala de espera está cheia: “Só de Riachos somos uns sete ou oito. Todos ralham uns com os outros, mas tem de ser baixinho. Não podemos reclamar muito, senão passamos para último”.
Depois de longas horas de espera, José Pereira foi consultado, saindo do Centro de Saúde pouco antes das seis da tarde.
Uns metros mais ao lado, junto ao automóvel estacionado em frente ao Centro de Saúde, estava Casimiro da Rosa Faria e a esposa Josefina de Matias da Rosa, também a aconchegar o estômago com uma sandes e um iogurte. Ficaram igualmente sem médico de família em Riachos e agora têm de se deslocar a Torres Novas. “Chegámos por volta das onze horas porque a minha esposa foi fazer fisioterapia ao Entroncamento. Como já prevíamos que a consulta iria demorar horas, trouxemos almoço”, afirmou Josefina da Rosa, que apenas precisava de uma credencial.
José Francisco Vaz é outro dos riachenses que precisa de ir, pelo menos uma vez por mês, à consulta a Torres Novas. “Hoje até me despachei cedo… Cheguei às 8h30 para mostrar exames e saí à uma da tarde. Por acaso, até costumo vir às seis da manhã, mas agora com este frio, quem é que aguenta?”.

Cenário de pessimismo sem critério de razoabilidade

Tendo em conta o número de médicos cada vez mais reduzido no domínio do ACES Serra d’Aire, questionámos o director Pedro Marques e a própria Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo sobre o assunto.
Para já, Pedro Marques mostrou-se indisponível para prestar esclarecimentos devido à agenda sobrecarregada, ficando marcada uma entrevista para a próxima semana. No entanto, referiu que não pretende criar cenários de pessimismo sem quaisquer critérios plausíveis de razoabilidade. Mas é de facto admissível dizer que cerca de 60% dos utentes de saúde de Riachos não têm médico de família, sendo provável que o próprio director do ACES tem dificuldade em resolver o problema devido à escassez de profissionais de saúde.
Enquanto em Lisboa há mais facilidade em contratar médicos, passaram já três anos desde a última vez em que foram abertos concursos para 20 vagas na região do Vale do Tejo, quando surgiram apenas três interessados.
Quando os ACES foram criados, a ARS informou que estes agrupamentos seriam uma estrutura organizacional com autonomia administrativa e técnica para implementar soluções que procurem responder às necessidades dos utentes. Em termos de ganhos para o cidadão, dizia a ARS, os novos ACES vão organizar a sua actividade em áreas como, por exemplo, a saúde familiar, saúde pública e cuidados na comunidade. Segundo a ARS, procura-se deste modo proporcionar uma melhoria da eficácia, que se traduza num aumento da qualidade e também da quantidade dos cuidados de saúde prestados, garantindo mais consultas médicas, mais actos de enfermagem e mais cuidados domiciliários. Outro dos objectivos é conseguir-se uma maior proximidade junto dos utentes, bem como uma melhoria das condições de trabalho dos profissionais. Ora, pelos vistos, está a passar-se precisamente o contrário em Riachos, Meia Via, Ribeira Branca e Lamarosa, apesar de já no início de 2009, admitir a inexistência de médicos suficientes para preencher os quadros de pessoal dos Centros de Saúde.
Questionamos a ARSLVT sobre como se pode solucionar este problema, mas até ao fecho de edição não recebemos qualquer resposta.
O recurso a médicos estrangeiros poderá resolver a situação. O Ministério da Saúde pretende contratar 100 médicos colombianos, prevendo-se que alguns sejam colocados na região do Vale do Tejo, nas localidades com maiores carências.

Discurso directo
Políticos querem médicos estrangeiros

João Cardoso, presidente da Junta de Freguesia de Riachos
Estou muito preocupado e prevejo poucas melhoras, não só em Riachos, mas no concelho de Torres Novas em geral. O assunto tem sido abordado na Assembleia Municipal e o presidente da Câmara afirmou que tem reunido com os responsáveis pela Saúde, mas sem adiantar grandes soluções.
A vinda de profissionais estrangeiros poderia ser uma forma de assegurar assistência médica, principalmente nas terras onde há carências, como Riachos.

Bernardino Carrilho, deputado da CDU na Assembleia de Freguesia
Lamento a situação a que chegou o Centro de Saúde de Riachos, que tem cada vez menos serviços. Na minha perspectiva, o Governo quer retirar-nos os equipamentos e serviços públicos para reduzir custos. Já aconteceu com a estação de caminho de ferro e com o balcão da Segurança Social. O Centro de Saúde está encaminhado e depois serão os Correios.
Espanta-me o conformismo dos riachenses e penso que a Junta de Freguesia e a Câmara Municipal tem tido uma atitude muito passiva.

José Luis Jacinto, deputado do PSD na Assembleia de Freguesia e na Assembleia Municipal
O presidente da Câmara disse numa Assembleia Municipal que ia a Cuba buscar médicos, tendo inclusivamente convidado um membro da CDU a acompanhá-lo. Tendo em conta que não há médicos nacionais e os que existem, muitos já estão perto da idade da reforma, o problema tende a agravar-se. A solução mais rápida e eficiente seria contratar médicos estrangeiros, de Cuba ou de outro país qualquer. O executivo comprometeu-se a resolver o problema e espero que o faça.
 
Rodrigo Teixeira, deputado do BE na Assembleia de Freguesia
A situação não me agrada, porque estamos a perder médicos uns atrás dos outros. É mau para as pessoas. A solução passaria por contratar médicos estrangeiros, desde que autorizados pela Ordem dos Médicos. São tão capazes como os nossos.
A Assembleia de Freguesia deve manifestar-se porque se todos se calarem ninguém faz nada e o problema não se resolve.  

José Gil Serôdio, presidente da Junta de Freguesia da Meia Via
A Meia Via está sem médico há cinco anos. Nessa altura tinha 1500 inscritos na extensão de saúde e agora deverá ter mais devido ao aumento demográfico registado.
O presidente da Câmara disse que ia a Cuba contratar médicos, mas parece que ainda não foi. Deve andar noutro hemisfério.
Primeiro devia-se tentar contratar médicos portugueses e caso não seja possível, devia-se recorrer a estrangeiros, estabelecendo contratos com condições iguais aos dos portugueses. Parece-me que esse é o único caminho para resolver o problema.
 
Nota: Tentamos obter um comentário de António Rodrigues, presidente da Câmara de Torres Novas, mas esteve sempre incontactável.

Menos 600 médicos em 2010  
O ano de 2010 está a bater todos os recordes no que diz respeito ao número de médicos que se reformam e saem do Serviço Nacional de Saúde. Só até ao início de Novembro pediram reforma antecipada quase 600 clínicos (400 são médicos de família), quase duas centenas a mais em relação a todo o ano de 2009.

Médicos reformados
2007 – 321
2008 – 380
2009 – 410
2010 – 596    

Nuno Matos (O Riachense) Actualizado em ( Sexta, 26 Novembro 2010 12:06 )

publicado por usmt às 17:29
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